"Sexo verbal não faz meu estilo, palavras são erros e os erros são seus... Não quero lembrar que eu erro também."
Renato Russo
"As palavras surgiram num sonho e eu as escrevi quando acordei, sem saber ao certo o que significavam ou a quem se aplicavam"
Neil Gaiman

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Cama de casal

Sempre gostei de lugares onde cabem mais de uma pessoa. Onde cabem mais do que eu somente. Minha cama é espaçosa.
Quando me deito sei que existe um espaço largo. Dou-me muito bem com ele. Aprecio cada movimento solto e limpo meu. Sinto-me livre em mim mesma. Gosto de passar longos momentos em minha companhia. Mas, neste mesmo espaço cabe um alguém, cabe você. Você que não sei quem é. Um alegre desconhecido que eu costumo sonhar a noite.
Quando deito e viro a cabeça para trás. Dou de encontro com minha janela aberta e posso observar o céu enfestado de estrelas. E penso que conversamos sobre elas nesse momento. Sobre o que há depois delas. E que nós ficamos a ouvi-las por um tempo. Um do lado do outro.
E nesse mesmo movimento, que eu me vire, na minha cama espaçosa, para cobrir você. Você que não sei ao certo nem se existe. Você sim, que eu imagino fazer rir dos meus comentários idiotas antes de dormir. E que eu te acorde nesse espaço vazio com uma bandeja de café da manhã. E que ao tomar banho, eu escreva seu nome no vidro embaçado do box dentro de um coração, junto com o meu. Que eu me surpreenda um dia desses, me virando embaixo do chuveiro e vendo você me observar. E você vai sorrir. E eu vou sorrir de volta.
 Que a gente durma abraçado e demonstre a maior confiança que se pode oferecer ao outro: o sono. Que você me acorde pra gente fazer sexo. Sim. Sem hipocrisia. Sexo. Não o selvagem nem o acrobata. Mas aquele que só eu e você sabemos fazer juntos. Aquele sem exigência. Sem manual de instrução. Aquele profundo, envolvente, sincronizado.
E que depois, você me observe dormindo. Ou me acorde com um beijo, ou um cheiro no pescoço. Que eu massageie seus pés com creme Monange.
E depois ao sairmos, que minhas mãos encontrem as suas e a gente ande longos caminhos, sem rumo, tomando um sorvete e falando da vida alheia. Que a gente faça programa de índio. Que sentemos em um barzinho e conversemos sobre o dia, o trabalho, a preguiça. Que a gente conte uma piada pra não ficar tudo muito sério.
Que eu te espere voltar do futebol com o cabelo meio desgrenhado e o rosto com marcas do travesseiro, pra que você me conheça também quando não sou perfeita, que divida comigo também os outros jeitos que tenho.
 Que a gente brigue. Que a gente ligue com cara de pau depois. Que a gente jure nunca mais se ver e nos vermos daqui a dois dias . Daqui a duas horas. Que a gente cresça junto. Que você me chame a atenção quando eu fizer uma pergunta inconveniente. Que reclame do tamanho da minha mala. Que me compre um vestido florido na liquidação da Textil Abril porque achou que ficaria lindo em mim. Ou simplesmente me conte que se lembrou de mim quando viu. Que sinta minha falta em uma quarta-feira qualquer as 15:45. Que eu te mande poemas e músicas que evidenciem nós dois.
Que tire sarro da minha cara. Que use a minha toalha. Que me empreste uma camiseta sua. Que eu faça um brigadeiro pra você usando ela. Que você me abrace por trás nesse momento. E me faça rir muito com a sua barba mal feita roçando minhas costas. Que arrote depois da coca-cola. Que diga que tem orgulho de mim e que me admira. Que me faça cócegas. Que me morda. Que eu te aperte. Que joguemos video-game. Que vejamos um filme de terror pra eu me prender em suas pernas e esconder o rosto em seu peito.
Que tenha uma foto nossa dentro da carteira ou no visor do celular. Que eu seja amiga da sua irmã. Que você vire o ídolo da minha sobrinha. Que eu beba uma cerveja com seu pai. Que você jogue banco imobiliário com meus primos. Que conquiste sua mãe  lavando a louça e conversando sobre culinária, ou bolsa de valores. Que eu ria dos seus amigos. Que você seja amigo das minhas amigas. Que a gente se reúna na casa deles, ou na nossa e cante músicas dos anos 80, atormentando os vizinhos. Que você sinta ciúmes às vezes.
Mas, e se você não vir dividir esse espaço aqui do meu lado nas noites que chovem ou que trazem insetos que nos fazem xingar? E se você nem sequer existir?
O que eu faço? Com quem divido esse tantão de espaços e carinhos que transbordam das minhas mãos?

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