"Sexo verbal não faz meu estilo, palavras são erros e os erros são seus... Não quero lembrar que eu erro também."
Renato Russo
"As palavras surgiram num sonho e eu as escrevi quando acordei, sem saber ao certo o que significavam ou a quem se aplicavam"
Neil Gaiman

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Quem estou?


Uma das coisas que têm feito parte da minha rotina ultimamente são autoavaliações: das minhas escolhas, das situações pelas quais já passei, dos ideais que eu tinha e foram desconstruídos com o tempo. Do que eu achava certo mas que na verdade não havia “errados”. Não pense que estou criticando que eu era. Na verdade, hoje, agradeço quem eu fui, pois essa pessoa me permitiu construir a história de quem escreve hoje. O destino é, na realidade, a consequência das nossas escolhas. Cada movimento que fiz, cada lágrima que chorei, cada opção que resultou em decepção, cada alegria que me permiti sentir, cada emoção que explodiu, me trouxeram aqui. Eu poderia ter feito escolhas diferentes, e ter me tornado alguém diferente. Quem eu seria? Jamais saberei. É incrível o quanto eu me achava madura na juventude, e o quanto me considero imatura hoje. Quantas convicções irrefutáveis eu tinha e acreditava que essa teimosia era que me fazia forte e sábia. Quanto mais me abri para o vazio do “eu não sei”, mais desfrutei da beleza do aprendizado. E como é difícil se desgarrar de uma crença, não? Que sensação de fracasso e humilhação é acreditar em uma coisa e, cinco minutos depois dizer “realmente estou equivocada”. Mas a leveza e a libertação de quando o fazemos é muito maior do que essas sensações mal interpretadas. Quantas vezes me feri, me culpei, me julguei e tentei me encaixar em um modelo estereotipado de formas de conduta e de interpretação da realidade. Quantas vezes tentei enfiar este ser, este corpo dentro de uma caixa em que ele não cabia, ou era tão grande que fazia tudo ser sempre distante? Quantas vezes olhei pra mim mesma no espelho e reprovei os erros que cometi e condenei as emoções incontroláveis que não consegui sufocar. Hoje converso sozinha comigo mesma, gesticulo e rio. Hoje deixo meu corpo viver as emoções sem culpa-lo por isso. É só eu. É tudo eu. É o meu corpo. E olhando ele no espelho vejo o quanto real eu sou. E me vem um estalo: quanto de história eu sou!
O quanto este corpo tão condenado um dia foi e quanto de liberdade ele conseguiu até hoje.
O corpo conta uma história na linha do tempo. Ao se olhar no espelho, qual a história que o seu corpo conta?


 Somos criados para evitar a dor e, por isso, não sabemos o que fazer quando ela vem. Somos orientados a sermos exímios vencedores, mas não sabemos o que fazer quando o fracasso se prende em nossas mãos. Aprendemos que somos especiais, mas entramos em desespero quando percebemos que não sabemos o que queremos. Somos orientados a querer um monte de coisas que não sabemos de onde vem. Devemos ser tanta coisa que, com o tempo percebemos que estamos atolados em dívidas que não queríamos ter. Devemos ser melhores. Devemos ser bons. Devemos ter sucesso. Devemos ser felizes. Mas, no fundo, não fazemos ideia do que essas palavras significam. Temos milhares de opções expostas na nossa frente, mas nenhuma delas fomos nós que escolhemos. Por milhares de anos, fomos orientados a nos colocar em uma posição de superioridade e nos assustamos quando percebemos os podiums da nossa ignorância. Acreditamos que só merecemos o que é bom, mas não sabemos como sermos bons. Nos mandaram evitar a faca, o medo e a tristeza. Mas não nos ensinaram o que fazer quando os encaramos. Nos disseram que temos que correr atrás do que queremos, mas não disseram que era uma competição. Acreditamos fielmente que temos que aproveitar a vida, mas não percebemos o preço que temos que pagar. Acreditamos que somos livres, mas temos que dar nome a tudo o que fazemos. Olhamos para a vida e achamos que fazemos nossas escolhas, mas não percebemos que o que somos está catalogado em dicionários. “Quando olhamos muito tempo para o abismo e ele nos olha de volta”, percebemos que vivemos uma solidão coletiva. Aprendemos que precisamos de companhia, mas não nos ensinaram o que fazer com a gente mesmo. Nos disseram que somos predadores evoluídos, mas não disseram o que fazer quando queremos fugir. Nos fizeram acreditar que temos que dar valor a vida, mas não disseram que a morte faz parte dela.