"Sexo verbal não faz meu estilo, palavras são erros e os erros são seus... Não quero lembrar que eu erro também."
Renato Russo
"As palavras surgiram num sonho e eu as escrevi quando acordei, sem saber ao certo o que significavam ou a quem se aplicavam"
Neil Gaiman

sexta-feira, 22 de março de 2013


Tudo começou com um beijo de baixo de chuva. Foi naquele dia, que eu pude ver seus olhos mais de perto. Tão castanhos, tão rasos. Foi bem nesse dia que eu grudei meus braços no seu peito e ouvi seu coração. Só não sabia que ia ser tão difícil de descolá-los de novo. Eu achei que nunca ia te amar por causa desse seu jeito arrogante e cheio de certezas. Na verdade, eu tinha medo de te amar por, no fundo, saber que eu não sou o tipo de mulher que você ama. Eu tinha muito medo de sentir saudades suas. Aquela saudade meio vazia, meio sozinha. Mas você me olhou de volta. E eu me perdi ali dentro. Eu me esqueci do perigo. Eu montei um sonho. Ai um dia você foi embora. Você cortou nossos fios. Você se esqueceu da gente. E eu fiquei ali, com meus sonhos ressecados, rachados. E quando eu acreditei, que não havia volta. Você me ligou, em uma tarde qualquer. Você olhou de novo.
Eu já não sei mais o que fazer. Eu já tentei me mudar de cidade. Já beijei milhões de caras. Já tentei acreditar que estava apaixonada por outro. Já tentei me reapaixonar por um ex. Já tentei me sentir melhor sozinha. Mas, sem querer, como se fosse já automático,  ou inerente, eu te espero voltar. Mesmo repetindo no espelho que você, dessa vez, conseguiu alguém que é melhor que eu. 


          Com o tempo eu comecei redirecionar meus planos. Comecei a não colocar muitas pessoas dentro dele, pra não ter que reorganizá-lo toda vez que alguém vai embora. Eu comecei a me planejar sozinha. Vez ou outra, eu coloco um corpo sem rosto, só pra saber que quem quiser estar ali, estará. Um rosto com nome demandaria instabilidade em meus planos. Realmente eu fiquei egoísta. E comecei a me amar mais e em primeiro lugar. Eu sei cada defeito meu, cada coisa que eu não sei fazer ou faço errado, mas mesmo assim, eu me escolho. E rio disso. Eu me aceito com minhas cobranças e reclamações. E isso não pesa em ninguém. Na verdade, era até leve. Leve saber que eu, em alguns dias, posso ser a pior pessoa do mundo, e ainda sim, vou me amar. Eu não vou me abandonar, nem me trocar, nem reclamar que gosto de mim, mas que não dá mais. Eu posso me amar, sem medo, porque meus defeitos não me afastaram de mim. Eu posso ficar irritada, porque ninguém vai embora. Eu posso ter planos e me colocar neles, porque eu não vou abandoná-los sozinhos.
          Por isso, algumas sensações se anestesiaram. Não doem mais. Talvez um cisco de rímel nos olhos da festa de ontem. Ou um sapato apertado de mais. Mas eu nem me importo. Porque isso sara em instantes. Dói bem menos do que outros lugares onde já estiveram pessoas. Na verdade é até um alívio sentir uma etiqueta incomodando, ou uma dorzinha na perna porque dancei de mais. Porque isso, é só comigo mesma, e eu me cuido, me previno. Nada de terceiros. Mesmo porque, de repente, eu percebi que nenhum cara merece estar dentro dos meus planos. È um tanto solitário isso. Mas também, eu descobri, que não preciso mais sentir saudade, ou dor de perda. Porque a gente não perde aquilo que não tem. E não quer ter.